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Há uma hora em que as provocações insultuosas não nos pegam mais. Já não respondemos, como antes. Apenas as deixamos passar, até se esvaírem completamente no próprio lugar de onde vieram, até voluntariamente se desviarem de nós. Ao ultraje, o que é do ultraje; à criação, o que é da criação. Já não precisamos combater os insultos, pois agora nada mais nos vincula a eles, nenhum fio nos enlaça, nenhuma similitude se descobre entre nós, lá e cá, nenhum gene se repete; somos uma pura exterioridade, eles, de nós, nós, deles. Basta, quando muito, quando necessário, quando os insultos persistem, virar o rosto, silenciar, passar para o outro lado da rua, deixar os rancores das provocações desacompanhados. Basta, melhor ainda, se conseguimos, [com] um certo esforço, tornar o insulto digno, esvaziá-lo enquanto insulto, potencializar uma força que ele nem imaginava ter, levá-lo aonde ele nem presumia ir, privilegiando apenas o que pode estimular alegrias.

Alberto Pucheu | “Literatura, para que serve?” (A Construção Poética do Real. Rio de Janeiro: Viveiros de Castro, 2004, p. 224)